sábado, 22 de maio de 2010

O enigma do autismo

Por Isabela Fraga
Ciência Hoje/RJ


"Ele vive no seu próprio mundo." A frase é bastante utilizada para descrever de forma leviana pessoas distraídas, que dão pouca atenção ao que acontece ao seu redor. As mesmas palavras, entretanto, ganham um significado muito mais enfático quando se referem a um portador de autismo - uma desordem neurológica manifestada por uma tríade de sintomas: déficit de interação social, dificuldade de linguagem e comportamento repetitivo.

O autismo não é uma disfunção única, mas sim um espectro de problemas, que variam de intensidade e tipo. Uma criança com um autismo leve como a síndrome de Asperger, por exemplo, pode conversar, frequentar escolas normais e ter uma vida independente quando envelhecer. É justamente por abarcar uma infinidade de comportamentos e sintomas secundários que médicos e cientistas preferem classificar o distúrbio, de maneira mais geral, como desordens do espectro autista (ASD, na sigla em inglês).

"É uma charada difícil de ser desvendada, e por isso decepcionante e frustrante", comenta o neuropediatra Leonardo de Azevedo, do IFF-Fiocruz (Instituto Fernandes Figueira), no Rio de Janeiro.

Azevedo realiza estudos clínicos sobre o autismo, em especial sobre a relação entre o distúrbio e o sistema imunológico do seu portador. Além dele, outros pesquisadores e médicos do setor de Neurologia do instituto têm as desordens do espectro autista como objeto de estudo, como é o caso do neurofisiologista Vladimir Lazarev e do neurologista Adailton Pontes, mais voltados para a neurofisiologia da desordem.

Episódios nos quais uma criança portadora de autismo é erroneamente diagnosticada e, por isso, não passa por tratamentos adequados, não são raros, mesmo hoje em dia. No Brasil, por exemplo, ainda há muitos casos de diagnóstico tardio.

Esse cenário está longe do ideal. É de consenso geral entre os cientistas: quanto antes for feito o diagnóstico do autismo, mais fácil e eficiente é o tratamento e, consequentemente, também a melhora. Para o médico Estevão Vadasz, coordenador do Projeto Autismo no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, o ideal é que o diagnóstico seja feito quando a criança tem entre um ano e meio e dois anos.

" O mais comum, no entanto, é a partir dos três anos de idade", afirma.

A força da genética - Desde que o autismo foi descrito pela primeira vez, em 1943, pelo médico austríaco Leo Kanner, um sem-número de estudos já foi feito sobre a desordem, mas ela ainda é considerada uma das mais enigmáticas da ciência.

"Os fatores genéticos respondem por mais de 90% das causas para o autismo", explica o neuropediatra Leonardo deAzevedo.

Os outros possíveis fatores não são conhecidos, e podem ser, por exemplo, resultado de problemas durante a gravidez, como rubéola, toxoplasmose e acidentes.

No Brasil, a pesquisa genética também tem bons prognósticos. O laboratório coordenado por Vadasz no Hospital das Clínicas de São Paulo tem, além de uma área de diagnóstico e tratamento para distúrbios do espectro autista, um projeto de pesquisa voltado para a identificação de genes-candidatos à desordem e de tratamentos com células-tronco. Vadasz é otimista. Para ele, em cinco ou 10 anos, será possível realizar intervenções terapêuticas.

"A ideia é tirar células-tronco dos dentes de leite de crianças autistas, colocá-las em cultura e, com o tempo, diferenciar essas células em neurônios", explica.

Em seguida, os cientistas tentarão introduzir esses neurônios no sistema nervoso para suprir algumas falhas no processamento cerebral, numa técnica chamada de "reengenharia dos neurônios".

Se clinicamente o autismo é bastante conhecido e suas formas de tratamento já alcançaram relativo sucesso, os mecanismos pelos quais ele atua no cérebro ainda geram dúvidas. Muitas hipóteses consideradas têm sido derrubadas por falta de comprovação. De maneira geral, a teoria mais aceita pela comunidade científica é que as mutações genéticas causam falhas de conexão entre as diferentes regiões cerebrais, o que geraria problemas em algumas estruturas, como o cerebelo, o hipotálamo (onde se sintetiza, por exemplo, a oxitocina) e o córtex.

Oxitocina: uma esperançaEntre todos os genes candidatos, a descoberta de um deles tem gerado efeitos práticos mais concretos. Trata-se do gene responsável pelo controle da produção da oxitocina, um hormônio relacionado ao sistema reprodutor feminino, que é produzido no hipotálamo.

Apelidada de "hormônio do amor" graças ao seu papel nas relações interpessoais e nos comportamentos afetivos, a oxitocina tem sido analisada em vários países por seu potencial de tratamento de alguns comportamentos autistas, como a ausência de contato visual e a dificuldade de relação com outras pessoas. "Alguns estudos já comprovaram que pessoas com algum tipo de desordem do espectro autista possuem menos oxitocina no sangue periférico", explica Azevedo.
Foi a partir dessa constatação que instituições do mundo todo têm realizado testes que analisam os efeitos da ingestão de oxitocina em pacientes autistas sob a forma de spray nasal.
Dados os excelentes resultados em estudos, a expectativa é que futuramente se poderá tratar o autismo com oxitocina.

Tratamento - A oxitocina ainda está em fase de testes para o tratamento de sintomas do autismo. Por enquanto, o tratamento para o distúrbio passa por várias áreas médicas, e o grau de efetividade depende da idade em que é iniciado. A cura, entretanto, ainda não está num horizonte próximo.

"No entanto, há tratamentos comportamentais bastante efetivos que podem ajudar crianças e adultos a superar suas dificuldades", comenta o psicólogo Ami Klin, diretor do programa de autismo da Universidade Yale.

Para ele, o objetivo com esses tratamentos - em sua maior parte sem a utilização de medicamentos - não é curar, mas ajudar os portadores dessa desordem no seu relacionamento com outros.

sábado, 8 de maio de 2010

Um Anjo da Guarda chamado Mãe

Diálogo de uma criança com Deus

Uma criança pronta para nascer perguntou a Deus:

"Dizem-me que estarei sendo enviado a Terra amanhã...

Como eu vou viver lá, sendo assim pequeno e indefeso?"

E Deus disse: "Entre muitos anjos, eu escolhi um especial para você.

Estará lhe esperando e tomará conta de você".

Criança: "Mas diga-me, aqui no Céu eu não faço nada a não ser cantar e sorrir, o que é suficiente para que eu seja feliz. Serei feliz lá?".

Deus: "Seu anjo cantará e sorrirá para você...
A cada dia, a cada instante, você sentirá o amor do seu anjo e será feliz".

Criança: "Como poderei entender quando falarem comigo, se eu não conheço a língua que as pessoas falam?".

Deus: "Com muita paciência e carinho, seu anjo lhe ensinará a falar".

Criança: "E o que farei quando eu quiser Te falar?".

Deus: "Seu anjo juntará suas mãos e lhe ensinará a rezar".

Criança: "Eu ouvi que na Terra há homens maus. Quem me protegerá?".

Deus: "Seu anjo lhe defenderá mesmo que signifique arriscar sua própria vida".

Criança: "Mas eu serei sempre triste porque eu não Te verei mais".

Deus: "Seu anjo sempre lhe falará sobre Mim, lhe ensinará a maneira de vir a Mim, e Eu estarei sempre dentro de você".

Nesse momento havia muita paz no Céu, mas as vozes da Terra já podiam ser ouvidas. A criança, apressada, pediu suavemente:

"Oh Deus, se eu estiver a ponto de ir agora, diga-me, por favor, o nome do meu anjo".

E Deus respondeu: "O seu anjo se chamará... MÃE !"

(autor desconhecido)

Homenagem do Mundo de Peu para todas as mães que por aqui passam em busca de informações sobre como cuidar melhor de seus filhos ESPECIAIS.

Luta de mãe: O futuro de meu filho autista

Lucas tem 13 anos, sempre foi bom aluno e quer ser biólogo. Ele também é autista, e sua mãe conta um pouco de sua história

Carina Martins, iG São Paulo 07/05/2010 14:30


O filho caçula da assistente financeira Paula Guimarães tem treze anos. Ele nunca foi diferente. Sempre foi o Lucas. Desde que era pequeno, ela percebia e nutria as necessidades particulares do menino, como tinha feito com a filha Renata e o enteado Thiago antes dele. Essas características não tinham nome. Para a mãe, sempre foram o jeito de Lucas. Seus traços individuais foram tão aceitos e trabalhados pela família que apenas aos seis anos de vida descobriu-se que alguns deles estavam ligados ao fato de ele ser autista.

“Ele pequenininho era uma criança normal, não chamava a atenção. O autismo é muito peculiar. Lucas adorava colo, por exemplo, coisa que nem sempre acontece. Teve um desenvolvimento rápido, andou com nove meses, falou na hora certa”, lembra Paula, que hoje trabalha na Associação de Amigos do Autista (AMA) em São Paulo. “De repente, deu uma parada de falar, mas você não percebe na hora, eu só notei lá na frente, quando a gente voltou pra ver o que tinha acontecido. Nessa época, ele tinha uns dois aninhos. Foi para o maternal, falava palavrinhas soltas, a gente até achou que a escolinha ia ajudar”. De qualquer forma, em pouco tempo Lucas estava falando bem novamente, frases completas, “bonitas, e quase nunca errava o português”.

“Você tem outros filhos, a vida é corrida, tem hora que não percebe. A gente morava em Cotia (Grande São Paulo), numa casa muito grande. Ele vivia correndo, se divertindo, e acho que isso encobriu essa deficiência que ele tinha de se comunicar com a gente. Ele conversava, é obediente, uma criança muito doce, sempre foi muito carinhoso”, lembra Paula. Mas no fundo, ela já se adaptava às necessidades de Lucas, antes mesmo de saber. “Eu saía com o Lucas na rua falando ‘isso aqui é uma farmácia, isso aqui é um supermercado’. Quem faz isso com o filho? Só uma mãe que vê que o filho tem uma deficiência. Eu não sabia explicar, mas via que ele não entendia. Ajudei muito, supri muito as deficiências dele”.

Antes do diagnóstico, a família procurou orientação médica toda vez que alguma coisa chamou a atenção. Lucas teve problemas sérios com otites. O médico disse que isso atrapalhava a audição e, portanto, o desenvolvimento da fala. A primeira escola chegou a achar que havia algo de destoante no comportamento do menino quando ele tinha pouco mais de três anos. “Na época, não sei por quê, a gente levou ao neurologista. O médico diagnosticou Lucas como hiperativo. E ele é. Foi medicado, não fez a menor diferença. Ficamos com ele alguns anos, põe remédio, tira remédio, aumenta a dose, diminui a dose. Até que paramos de ir lá”. O tempo, as otites e os problemas de fala passaram.

A família se mudou para São Paulo e Lucas foi para uma nova escola. Dessa vez, no entanto, foi diferente. “A escola falou que quando ele não conseguia fazer a lição, ele se escondia. Então a gente pensou: ‘aí não é normal’. Se a criança não quer fazer a lição, ela briga. Mas se esconder preocupou a gente. É diferente de não querer fazer e ficar de birra. Aí tudo bem, eu ia brigar e pronto. Mas ele tava vendo uma dificuldade e fugindo”. A família então procurou um psiquiatra.

Autista

“O médico diagnosticou o Lucas como autista de alta funcionalidade. Na hora, me faltou o chão”, conta. Mas o cuidado do psiquiatra ajudou a família a não ficar sem ação diante do fato. “Ele falou que era provável que talvez o Lucas tivesse a possibilidade de ser alfabetizado. Assim, sem afirmar nada. Então do mesmo jeito que ele jogou um balde de água gelada, foi trazendo devagar, aos poucos, alguns caminhos”. O médico disse ainda que acreditava que Lucas podia frequentar uma escola, mas recomendou que a família desse uma parada antes para se organizar, e aconselhou também que procurassem a AMA. “Ao mesmo tempo em que ele deu a má notícia, deu boas também, então a gente saiu de lá menos mal”.

Paula não sabia quase nada sobre o autismo. “No começo, por mais que o médico tenha explicado, a gente ficou perdido e com medo. Eu pensava que meu filho ia sempre precisar de ajuda, e não sabia quanto tempo eu ia durar para cuidar dele”. Paula não queria passar esse medo para as demais crianças, que na época tinham 17 e onze anos. “Uma família unida sempre é melhor numa hora dessas. A gente chegou em casa e todo mundo já começou a procurar informações sobre o assunto. Hoje a gente conversa muito sobre isso. Mas no começo a gente não queria passar nossa preocupação para a Renata e o Thiago. Então falamos o mínimo necessário, só para eles saberem. Mas os dois acabaram indo procurar na internet o que era e ajudaram como podiam”.

O diagnóstico do irmão afetou, claro, a vida de Thiago e Renata, que hoje reclamam da falta de explicações do passado. “A Rê teve que começar a ir para a escola sozinha com onze anos de idade, porque eu tinha que levar o Lucas para a AMA. Eu sentei com ela e, morrendo de medo, expliquei, falei que ela estava pronta”, lembra a mãe. “Hoje, quando a gente senta e conversa, eles falam ‘pô, vocês não souberam explicar’. Mas é porque a gente tava perdido, não sabia, não queria que eles se preocupassem, queria entender melhor antes”.

Em retrospectiva, Paula confessa acreditar que no fundo sempre soube que havia algo de especial a respeito de Lucas. Quando as crianças eram pequenas, por exemplo, ela fazia livrinhos infantis para falar das particularidades da vida familiar. “Tenho 50 livros escritos e nenhum publicado, todos para crianças. Comecei porque minha família é diferente, ganhei um enteado com seis anos de idade, meu marido é viúvo. Aí tivemos a Rê. Então era uma diferença grande, comecei a fazer livrinhos sobre dificuldade do dia a dia de uma mãe. Sobre ciúmes, sobre não querer comer, todas essas coisinhas”. Mas quando Lucas nasceu, ela notou que ele não se interessava pelos livros só de texto e figuras. “Então fazia livros diferentes para ele mexer. Você supre sem saber o porquê. Eu fazia brinquedinhos pra ele interagir, conseguir que ele aprendesse, se interessasse, se concentrasse”, conta.

“Na nossa família, ele nunca foi tratado como autista. Leva bronca do mesmo jeito, mesmo quando eu já sabia o que ele tinha. Tem hora que é difícil. Mas a gente nunca cedeu, é um ponto de vista mesmo. Acho que ajudou muito a gente”, conta. O tipo de autismo de Lucas envolve comportamentos como descontrole quando ele se sente ansioso, por exemplo. “Antes de saber, quando ele tinha os chiliques dele na rua, pra mim era birra. E eu vou deixar fazer birra? Não vou. Depois de saber, continuei não deixando. Acho que isso ajudou muito ele. A gente não tratou diferente. Continua sendo o Lucas, continuamos amando ele”.

Para ajudar Lucas a lidar melhor com suas limitações, a família também promove pequenas situações para que ele exercite principalmente seu lado social. Faz pequenas alterações na rotina para que ele lide com as mudanças, por exemplo. “Ele se altera? Claro. Geralmente nessas situações ele começa a fazer perguntas sem parar, é a crise dele, fica perguntando, perguntando, não para”, explica a mãe. Recentemente, os dois começaram um “treino” para que ele sinta como seria ir sozinho para a associação. Ele andava na frente e a mãe um pouco atrás. Diante da proposta, Lucas ficou ansioso. “Começou a perguntar: ‘mãe, e se acontecer alguma coisa comigo? E se isso? E se aquilo?’ Ele começa a perguntar sem parar até que eu digo ‘chega, é assim que vai ser’. A crise dele é perguntar demais”.

Lucas na escola

Quinze dias depois do diagnóstico de autismo, Lucas já frequentava a associação, onde também foi alfabetizado. Logo, a coordenadora disse a Paula que achava que o menino tinha totais condições de ir também para uma escola. A família então encontrou um pequeno colégio de política inclusiva e linha Montessori, que a mãe julgou ideal para as necessidades de Lucas. Aos oito anos, já alfabetizado, ele entrou na primeira série de uma escola “normal”.
No primeiro ano, as notas de Lucas oscilaram. Mas no segundo ele passou a tomar um remédio para ajudá-lo na concentração. “Aí as notas dele subiram, nunca nem precisei estudar com ele”, afirma Paula. O ambiente da escola também ajudou o menino a se relacionar com outras crianças. Eram apenas onze alunos na classe, e a maioria crescendo junto e se conhecendo. “Sempre tem um ou outro que vira o pai ou a mãezinha dele, que o protegem”, conta. Paula acha graça ao lembrar que, quando Lucas estava na segunda série, chegou um aluno novo vindo da Espanha. “Era um menino magrinho, mirradinho, e foi o Lucas que virou o “pai” dele. Catou o Lorenzo e foi apresentar para a diretora, a moça da cantina, os professores". Da primeira à quarta série, a vida de Lucas na escola transcorreu sem sustos.

A temida quinta série chegou em 2009 com problemas acadêmicos e financeiros. De um lado, Lucas começou a sentir efeitos de mudanças como ter professores diferentes para cada matéria e uma classe com o dobro de alunos, muitos deles sem experiência de inclusão e que não conheciam o menino. “Eles riam, tiravam sarro. As notas dele despencaram e a letra, que nunca tinha sido boa, degringolou”, conta Paula. De outro lado, a bola de neve financeira da família de Paula virou uma avalanche.

“Ele foi bem até a quinta série, no ano passado, então eu tive que tirar porque não tinha dinheiro para pagar. No começo, a AMA era paga. A gente pagava também a escola, psicóloga, fisioterapeuta. A gente correu, investiu, descapitalizou tudo. Valeu a pena? Valeu. Mas foi muito doloroso ter que parar agora”, diz Paula. “A gente já vinha ganhando menos, e tentando manter, aperta aqui, acerta ali. Baixar o padrão de vida é horrível para todo mundo. Fomos levando.

Quando a bola de neve estava bem grande, meu marido perdeu o emprego”.

A família então vendeu a casa e foi morar com a mãe de Paula. A dívida que tinham na escola ficou alta demais, e eles tiveram que deixá-la. “Não tenho raiva deles, é uma escola pequena, faz falta, seguraram até onde deu”, diz. O marido Mauro, desempregado com mais de 50 anos (“apesar de ser um gatão”, ela ressalta), enfrentava as dificuldades conhecidas do mercado de trabalho para sua faixa etária. Resolveu então fazer um mestrado para melhorar suas chances. Assustado com os preços das mensalidades, viu que sua saída era estudar para entrar em um “excelente e gratuito”. Foi o que fez, e entrou em um mestrado de informatização na área da saúda na escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Apesar do corte de gastos, Paula e o marido estabeleceram um limite: não colocar as crianças em escola pública. “No Estado eu não ponho, porque o Lucas vai ser um saco de pancadas. Numa sala com 40 alunos não tem atenção para ninguém, imagine para ele que precisa de um tratamento mais individualizado”. Terminando o ensino médio, Renata se ofereceu para trocar de escola e permitir que o irmão pudesse continuar estudando. Mas a mãe não aceitou. “Eu disse ‘não, um dia o Lucas vai precisar de você’. Eu preciso de você uma excelente profissional, porque não sei até onde o Lucas vai, mas você não tem limites. Então eu invisto em você, a gente conversa com o Lucas, eu ensino ele, não está tudo perdido”. Para garantir o futuro de uma filha, teve que abrir mão da aposta em Lucas.

Relacionamentos

“A gente tentou de tudo para evitar tirar o Lucas da escola, só não assaltei um banco. Quando ele teve que sair, tive medo de falar para ele, mas não tinha outro jeito”, lembra Paula. A mãe sentou com o filho para conversar sobre o assunto. Ele, que tem planos de estudar biologia quando crescer, entendeu. “Lucas disse que queria continuar estudando, porque quer ser biólogo, mas que também às vezes ficava triste na escola. Em seguida, abriu um sorriso, disse “mas tudo bem” e foi brincar. Foi melhor do que a gente esperava”, diz. “A gente tem que demonstrar que o sonho dele está mais distante. Mas ele está levando numa boa. Até que mude alguma coisa, não tem como”.

A mãe diz que o diagnóstico de Lucas hoje é diferente do inicial – era autismo de alta funcionalidade, agora é síndrome de Asperger. “Porque muda, até pode regredir, mas é mais fácil avançar”. Ela acha que o filho “sabe um pouquinho que é diferente das outras crianças. Prefiro que ele chegue a isso sozinho e depois converse comigo, não empurrar a ideia, porque senão eu mesma já vou estar pondo preconceito na cabeça dele”. Quando as crianças da escola riram dele porque ele fala sozinho, Lucas procurou a mãe. “Ele vem falar comigo, e eu falo das características dele. Perguntei se ele via os outros fazendo o mesmo, essas coisas”.

Paula não nega também que sua família tenha vivido situações de preconceito. “Às vezes, o comportamento dele parece birra. Então fica todo mundo olhando como se ele fosse malcriado e os pais, uns bananas. Quando pegamos ônibus, faço ele se sentar sempre, senão ele cai. Eu caio, imagina ele! Então olham como se fosse falta de educação”.

Lucas, que agora tem treze anos, acaba de entrar na adolescência. A mãe diz que a fase é parecida com a que os outros dois irmãos já passaram, mas mais intensa. “É tudo mais exacerbado nele”, conta. Os pais conversam sobre sexualidade com o caçula desde os oito anos, mas a mãe admite que tem medo pelo filho. “Espero que ele demore muito para gostar de alguém, porque vai ser difícil. A gente sabe de meninos como ele bem mais velhos e que nunca deram nem um beijo”, diz. Mas logo retoma o bom-humor ao brincar sobre as qualidades de Lucas como homem: “Apesar de que, para a mulher que souber levar, é o melhor companheiro da face da Terra. Vai fazer de tudo para te agradar, só que ele é esquisito”, ri.

Ela dá exemplos da gentileza cotidiana do filho, que garante criar como um gentleman, ensinando a dar passagem e abrir portas para as mulheres, ajudar a carregar compras e coisas do tipo: “Todo mundo em casa fuma, menos o Mauro e o Lucas. Ele vem limpar cinzeiro, você acredita?! Às vezes eu falo, ‘Lu, pega o cigarro pra mim? Ele traz o cigarro, o isqueiro e um café! Pô, como assim!’, diverte-se.

Futuro

A família acredita e trabalha para que, no futuro, Lucas consiga ter uma vida independente. “A gente acha que no futuro dá para ele viver sozinho, com minha filha morando perto. Ou no mesmo prédio, ou na mesma rua. E nós vamos treiná-lo para isso. Hoje, por exemplo, vamos ensinar como passar o aspirador em casa”, conta.

Sobre a vontade que o filho tem de ser biólogo, ela é realista. “Claro que para isso vai ter que estudar. Nesse momento, a gente não tem como, mas não desistimos ainda”. Isso não quer dizer que eles não invistam na exploração de outros possíveis gostos e habilidades do filho. “O Mauro gosta muito de mexer com madeira, fazer um estantezinha, essas coisas. O Lucas começou a olhar um dia, e ele chamou. Falou para tomar cuidado, ficou junto, mas precisa deixar mexer. Ele então começou a ajudar o Mauro a tirar pregos, pegou umas madeirinhas e montou uma moldura, pintou”, conta.

“A gente precisa ver do que ele gosta, o que dá prazer de ele fazer. Ele gostava de tirar fotos, agora parou um pouco, mas fotógrafo é uma profissão solitária, que ele pode fazer. Até porque o olhar dele para tirar foto vai ser diferente. Vamos tentando descobrir tudo em que ele é bom, o que deixa ele feliz, para poder investir nisso e de repente ele ter uma profissão”.

Agora, o marido de Paula arrumou um emprego como professor universitário. Ainda não deu para pagar a dívida na escola de Lucas, mas a família já pôde sair da casa da mãe dela. “Aos poucos, as coisas vão se encaminhando”, acredita.

Autismo fabricado nos EUA parte 8 de 11

Tradução do documentário "Autism Made in The USA". Trabalho voluntário de Claudia Marcelino e de pais do grupo Autismo Esperança.

Autismo Fabricado nos EUA parte 7 de 11



Tradução do documentário "Autism Made in The USA". Trabalho voluntário de Claudia Marcelino e de pais do grupo Autismo Esperança.

Peu cresceu e O Mundo de Peu também mudou.

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