quinta-feira, 20 de março de 2008

A Ciência explica o autismo

O autismo é referido como uma desordem de espectro devido à grande variedade de sintomas presentes em pessoas com o diagnóstico. Pesquisadores, utilizando tecnologias que possibilitam o estudo da estrutura cerebral, também afirmam que os cérebros de pessoas com o diagnóstico de autismo variam vastamente de um para o outro. Por conseqüência, alguns cientistas têm sugerido que devemos estudar não apenas a estrutura do cérebro, mas também o mecanismo em que neurônios (células cerebrais) individuais se conectam e comunicam para que encontremos o problema de conexão neural que afete todas as pessoas com autismo. Pesquisadores têm encontrado evidências de que a maneira com que alguns neurônios são conectados no cérebro de pessoas com autismo pode levar a uma correlação baixa entre sinal e ruído.

Isto significa que muitos dos sinais que as células cerebrais estão enviando umas para as outras talvez venham acompanhados de “barulho” ou “ruído”, como a estática em um sinal de rádio. Esta é uma das explicações do por que crianças com autismo tornariam-se hiper-estimuladas por informações sensoriais e teriam então dificuldade para escolher entre duas fontes diferentes de informação. Por exemplo, é geralmente mais difícil para uma criança com autismo conseguir ouvir o que o professor fala quando outras crianças estão fazendo barulho.

Estudos analisando a eletricidade no cérebro de pessoas com autismo mostram que mesmo quando elas estão tentando ignorar certos aspectos de seu ambiente (como o barulho em uma sala de aula), seus cérebros respondem a estas informações do mesmo jeito que responde à informação que a criança está tentando prestar atenção (como a voz do professor). O problema para muitas crianças com autismo parece ser o de “filtragem”, isto é, elas são menos capazes do que as crianças típicas de filtrar e descartar a informação sensorial que é irrelevante para o que elas estão tentando prestar atenção. Conseqüentemente, os cérebros daqueles com autismo dão igual valor para todos os estímulos recebidos, causando um bombardeio de informação sensorial com o qual a criança tem de lidar. Os cérebros de crianças típicas aprendem a filtrar e descartar os estímulos irrelevantes durante os primeiros anos de vida, o que possibilita que, ao começarem a freqüentar a escola, consigam focar sua atenção na atividade pedida pelo professor. É muito difícil para um grande número de crianças com autismo conseguir aprender em um ambiente onde existem muitas informações sensoriais concomitantes (incluindo-se barulhos, toques, cheiros, estímulos visuais, etc.), como acontece em uma sala de aula.

Crianças com autismo estão absorvendo uma quantidade enorme de informação a todo o momento; isto significa que em algum ponto elas terão que escolher entre reter ou descartar essas informações. Estudos demonstram que, em comparação com pessoas neurotípicas, as pessoas com autismo tendem a retardar este processo de “escolha”. Uma analogia para este processo seria como andar pelos corredores de um supermercado e colocar em seu carrinho uma unidade de cada item a venda para apenas depois, na chegada ao caixa, descartar o que você não quer comprar. Isto causa uma demora no processamento de estímulos. Estudos com tecnologias que permitem ver que partes do cérebro estão sendo utilizadas durante uma tarefa confirmam que este é o fenômeno acontecendo dentro do cérebro de pessoas com autismo. Há mais atividade nas regiões do cérebro designadas para o processamento de baixa ordem (como o andar pelos corredores do supermercado) do que em regiões cerebrais especializadas para o processamento de alta ordem (passar pelo caixa e levar para casa os itens que constavam na sua lista de compras).

Talvez isto explique por que as crianças com autismo freqüentemente apresentam dificuldades em áreas de processamento de alta ordem (ex: memória, atenção, organização, linguagem, etc.). Elas passariam tanto tempo tentando lidar com a recepção de informação sensorial (baixa ordem) que acabariam não tendo tempo para praticar o processamento de alta ordem que outras crianças da mesma idade praticam. Desta forma, o cérebro da criança com autismo começaria a se desenvolver de forma diferenciada em relação ao cérebro de seu irmão com desenvolvimento típico. Há sinais de que este estilo de processamento da informação já se encontre presente na época do nascimento da criança, mesmo que os comportamentos autísticos não sejam identificados até os cerca de 18 a 24 meses de idade.

Especialistas dão a este estilo de processamento (que limita-se em parte ao processamento de baixa ordem) o nome de “fraca coerência central”. A coerência central refere-se à habilidade de processar contextualmente a informação recebida, associando informações para se chegar a um significado do todo, geralmente às custas da memória de detalhes. Assim sendo, na fraca coerência central haveria a tendência entre aqueles com autismo de prender-se ao processamento de detalhes ao invés da visão do todo em uma situação. Por exemplo, após olhar para figuras idênticas e receberem a requisição para se lembrarem do que estava na figura, uma pessoa típica provavelmente descreveria a cena como sendo “um pôr-do-sol na floresta”, enquanto que uma pessoa com autismo poderia descrevê-la como “folhas brilhantes, luz laranja e um galho com uma balança pendurada”. Este estilo de processamento é a razão pela qual algumas pessoas com autismo, em comparação com pessoas típicas, apresentam performances superiores em certas tarefas. Uma destas tarefas é o teste da figura inserida. Como um exemplo desta tarefa, a figura de um carro seria apresentada para as pessoas. Todas conseguiriam identificar facilmente o carro. Porém, quando fosse pedido que apontassem os três triângulos na figura, as pessoas sem autismo seriam muito mais lentas do que aquelas com autismo. Isto se deve ao fato de pessoas típicas focarem rapidamente no todo da figura, não prestando tanta atenção aos detalhes. As pessoas com autismo identificariam rapidamente os triângulos por estarem acostumadas a ver o mundo através dos detalhes.

Pesquisas envolvendo pessoas com autismo, desde estudos sobre como as células cerebrais conectam-se até estudos sobre como as pessoas atuam em testes psicológicos, nos oferecem a imagem de um mundo fragmentado, sobrecarregado e tomado por “barulho” para aqueles com autismo. Esta noção é confirmada por relatos autobiográficos de pessoas com autismo. A compreensão do mundo fragmentado e sobrecarregado de uma criança com autismo nos leva a ver a importância que tem o ambiente ao seu redor na elaboração dos programas educacionais e nos tratamentos que a ela são oferecidos. Também explica a razão das crianças com autismo procurarem ordem e previsibilidade em seus ambientes físicos.

Ambientes físicos com grandes quantidades de estimulação sensorial (ex: painéis com cores fortes, barulho de fundo, etc.) aumentaram o “barulho” num sistema sensorial já sobrecarregado, tornando extremamente difícil qualquer nova aprendizagem – como tentar aprender japonês dentro de um barulhento shopping center. Devido à presença de outras crianças e do tamanho do espaço físico necessário para abrigá-las, a sala de aula convencional é altamente limitada em termos de poder atender às necessidades das crianças com autismo. Até a iluminação por meio de lâmpadas fluorescentes, tão comum em salas de aula, tem sido apontada em estudos científicos como sendo um fator que afeta o comportamento de crianças com autismo. Infelizmente, estas considerações relativas ao ambiente da criança são geralmente desprezadas e têm sua importância desvalorizada quando programas educacionais são oferecidos para crianças com autismo, ou ficam além dos limites físicos e materiais das escolas convencionais.

Por Kat Houghton - Extraído do site Inspirados pelo Autismo

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