domingo, 2 de agosto de 2009

Entendendo a essência

Quando vemos algo, seja um quadro ou uma frase em um livro, ou o mundo real, constatamos a abundância de detalhes. Em um quadro há muitas cores, formas, tamanhos e objetos. Muitos de nós temos a capacidade de reunir muitas informações a partir de uma situação para compreendê-la. Podemos ver o quadro como um todo. Isso é denominado "impulso de coerência central" (nós o denominamos "entender a essência"). Por exemplo, se ouvirmos os sinos da igreja badalando e vermos um grande grupo de pessoas trajando belas roupas e chapéus, jogando confete em um casal fora da igreja, podemos concluir que se trata de um casamento.

Crianças com autismo parecem ter grande dificuldade em reunir informações dessa maneira para entender a essência do que está acontecendo ou do que se espera delas. No exemplo do casamento dado acima, a criança com autismo pode concentrar-se nos sinos da igreja badalando, ou nos pedacinhos de papel voando, mas não identifica o evento como um casamento. Se estivéssemos em uma sala de aula e o professor dissesse "Peguem seus lápis", entenderíamos que a lição estava prestes a começar e teríamos de escrever alguma coisa. Relacionamos os detalhes das palavras na frase ao contexto. Contudo, uma criança com autismo pode literalmente pegar seu lápis em sala de aula. Ou seja, crianças com autismo têm dificuldade em entender a essência. Elas podem não entender o significado geral quando estão diante dos detalhes, mas se preocupam com eles.

Esta dificuldade em entender a essência aplica-se ao uso da linguagem pela criança, bem como à sua compreensão de figuras, histórias, eventos e objetos.


O uso da linguagem falada

A linguagem é formada por várias palavras. Quando ouvimos uma frase, usamos seu contexto para compreender o detalhe das palavras dentro dela. Se alguém diz "A mulher levou o cão à praia", instantaneamente temos em nossa mente a imagem do que está acontecendo. Essa capacidade de entender a essência nos permite intantaneamente saber que a palavra "levou" refere-se à ação de conduzir. Não precisamos pensar muito.

Crianças com autismo podem ter a conclusão errada porque têm problemas em referir-se ao contexto e detalhes, um em relação ao outro. A maioria das pessoas faz isso intuitivamente, sem pensar.

Somos capazes de entender a essência do significado de frases e orações intuitivamente, mas às vezes erramos. Podemos nos lembrar de situações nas quais nos concentramos incorretamente em determinada palavra em uma frase. O sentido global da frase e o objetivo social que a cerca talvez tenham se perdido. Recentemente, uma amiga minha viu-se em uma situação difícil enquanto passava férias na França. Ela notou que havia uma grande rachadura em uma das paredes e pediu a um pedreiro francês que desse uma olhada. Infelizmente, com seu francês limitado, ela pediu-lhe que subisse com ela para que ela lhe mostrasse l´amour (amor) quando, na verdade, ela queria dizer le mur (a parede)! As palavras têm sons similares, mas significados diferentes. Essa situação foi logo solucionada e ambas as partes viram o lado cômico do erro.

Para crianças com dificuldades relacionadas ao espectro do autismo, sua própria linguagem pode parecer tão confusa quanto os idiomas estrangeiros para a maioria das pessoas. Quase sempre isso acontece porque elas se esforçam muito para entender a essência da situação, visto que não conseguem entender o significado das palavras dentro do contexto correto. Por exemplo:

  • Uma mãe comentou: "Oh, meu Deus, meu pé está molhado. Deve ter um furo na minha bota." A filha insistiu que a mãe tirasse a bota e o furo. Nesse caso, a criança não conseguiu usar o contexto para entender que o furo que a mãe mencionou não era um objeto removível.

  • Uma avó relatou que disse à neta que gostava de enfiar os "pés grandes" na água morna. A neta ficou assustada e inquieta, insistindo em verificar se avó não tinha, subitamente, adquirido pés como o do Pé Grande em seu livro de história.

Trecho extraído do livro Convivendo com Autismo e Síndrome de Asperger

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