sábado, 26 de janeiro de 2008

O autismo por Temple Grandin

Nos últimos tempos, tenho lido o suficiente para saber que ainda existem muitos pais – e, também, muitos profissionais – para os quais “uma vez autista, sempre autista”. Esse aforismo se traduziu em vidas tristes e desalentadas para muitas crianças que, como eu, receberam logo o diagnóstico de autistas. Para essas pessoas – pais e profissionais – é inconcebível que as características do autismo possam ser modificadas e controladas. No entanto, estou fortemente inclinada a julgar que sou uma prova viva do contrário. E isso parece aplicar-se especialmente às crianças autistas que conseguem obter um domínio razoável da linguagem antes de completar cinco anos de idade.

Como é possível que uma criança cujos pais ouviram que poderia ter que passar a vida toda internada tenha enganado os “especialistas”? Como é que uma criança rotulada de autista consegue vir à tona no mundo real? Ainda enfrento alguns problemas em minhas relações com as pessoas. Mas estou sobrevivendo e consigo lidar com o mundo.

Antes de tudo, o que é o autismo? O autismo é um distúrbio do desenvolvimento. Uma deficiência nos sistemas que processam a informação sensorial recebida faz a criança reagir a alguns estímulos de maneira excessiva, enquanto a outros reage debilmente. Muitas vezes a criança se “sustenta” do ambiente que a cerca e das pessoas circunstantes a fim de bloquear os estímulos externos que lhe parecem avassaladores. O autismo é uma anomalia da infância que isola a criança de relações interpessoais. Ela deixa de explorar o mundo à sua volta, permanecendo em vez disso em seu universo interior.

Qual a causa do autismo? Aí reside um mistério. Será neurológica? Será fisiológica? Um trauma intra-uterino, a rejeição pela mãe, ou a escassez de certas substâncias? Será um caso de dano cerebral? Ou será psicológico? As opiniões de muitos profissionais de destaque divergem. As pesquisas indicam que certas partes do sistema nervoso central podem não se desenvolver de maneira adequada. Por alguma razão desconhecida, os muitos milhões de neurônios que crescem no cérebro em desenvolvimento estabelecem algumas ligações erradas. Estudos do cérebro de pessoas mortas que eram portadores de dislexia, um distúrbio que pode ter alguma ligação com o autismo, indicam que alguns neurônios podem ter crescido na direção errada. O estudo de autistas usando a sofisticada aparelhagem de tomografia computadorizada indica que alguns deles possuem defeitos no desenvolvimento neuronal, e que certas áreas do cérebro podem apresentar atividades acima do normal. Mas o fato é que os sintomas, seja qual a forma de autismo desenvolvida, permanecem os mesmos.

Esses sintomas parecem surgir nos primeiros meses de vida. O bebê não responde da mesma forma que os demais. Não é surdo, pois reage aos sons. Mas suas reações a outros estímulos sensoriais são inconsistentes. O perfume de uma rosa recém-colhida no jardim pode provocar um ataque na criança – ou fazê-la recolher-se a seu mundo interior. Outros sintomas do autismo são esquivar-se ao toque alheio, ausência de fala com significado, comportamentos repetitivos, acessos de raiva, sensibilidade a barulhos altos ou incomuns e falta de contato emocional com as outras pessoas.

E quais são as formas de tratamento? Depende da escolha do freguês. Estimulação sensorial, modificação do comportamento, educação, tratamento à base de medicação, dietas, suplementos alimentares. Tudo isso já foi tentado, e cada uma dessas terapias obteve sua medida de sucesso. Certos autistas parecem responder bem a um determinado tratamento; outros, a outro. E alguns autistas requerem internação por toda a vida, devido à falta de percepção do mundo exterior ou à violência do comportamento.

Minha história é diferente, e represento uma esperança para os pais e profissionais que lidam com os autistas, pois também fui classificada como autista. Pesquisadores da Universidade da Califórnia descobriram que as crianças autistas apresentam um relacionamento social mais intenso do que muita gente supõe. Dizer que uma criança autista não apresenta reação absolutamente nenhuma às outras pessoas é um equívoco, uma criança autista pode apresentar reações sociais numa determinada situação, mas não em outra. As crianças autistas manifestam tanta variação de talentos, Inteligência, gostos e atrativos sociais quanto as crianças “normais”. Em 1950, recebi o rótulo de autista, mas consegui passar para o outro lado, além das trevas, tateando no escuro. Os incidentes de que me lembro cotam uma história fascinante sobre como as crianças autistas percebem e reagem de forma incomum ao mundo estranho que as cerca – o mundo ao qual tentam desesperadamente impor alguma ordem.

Trecho extraído do livro Uma Menina Estranha de Temple Grandin

Um comentário:

  1. Olá eu gostaria de saber como eu faço para conseguir estes desenhos explicativos do André e os outros,é que sou terapeuta ocupacional e tenho 2 alunas com autismo.Além disso vou dar uma aula no meu trabalho sobre autismo e estes desenhos seriam o ideal para q eles entendessem.

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