segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Os primeiros relatos sobre autismo - Leo Kanner

As primeiras publicações sobre autismo foram feitas por Leo Kanner (1943) e Hans Asperger (1944), os quais, independentemente (o primeiro em Baltimore e o segundo em Viena), forneceram relatos sistemáticos dos casos que acompanhavam e das suas respectivas suposições teóricas para essa síndrome até então desconhecida.

Kanner (1943) constatou, nas crianças que atendia, uma inabilidade no relacionamento interpessoal que as distinguia de outras patologias como a esquizofrenia: “o distúrbio fundamental mais surpreendente é a incapacidade dessas crianças de estabelecer relações de maneira normal com as pessoas e situações desde o princípio de suas vidas”. Para Kanner, tal comprometimento fazia-se evidenciar pela dificuldade em adotar uma atitude antecipatória que assinalasse ao adulto a vontade de ser pego no colo (ex.: inclinar o rosto, estender os braços e após, acomodar-se ao colo); um “fechamento autístico extremo”, que levava a criança a negligenciar, ignorar ou recusar tudo o que vinha do exterior.

Outra característica observada foi o atraso na aquisição da fala (embora não em todas) e do uso não-comunicativo da mesma, isto é, a linguagem não era utilizada enquanto instrumento para receber e transmitir mensagens aos outros, dotadas de sentido, sendo que três das crianças permaneciam "mudas" até aquela data. Por vezes, as palavras eram repetidas imediatamente, após ouvidas (ecolalia imediata), outras, posteriormente (ecolalia diferida); pronomes pessoais repetidos exatamente como eram ouvidos, portanto falando de si mesmos na terceira pessoa (pronome reverso). A entonação também nem sempre combinava com o contexto lingüístico (ex.: uma resposta dada com entonação interrogativa).

Não foram observadas dificuldades quanto ao uso de plural e conjugação, ou memória. Essa última era tida como excelente, principalmente a capacidade para recordar acontecimentos ocorridos há vários anos, decorar poemas e nomes, seqüências e esquemas complexos. Para Kanner (1943), tais habilidades “testemunham uma boa inteligência no sentido comumente aceito desse termo” e acreditava no bom potencial cognitivo dessas crianças, as quais mostravam fisionomias notadamente inteligentes.

Para Kanner, a insistência obsessiva na manutenção da rotina, levando a uma limitação na variedade de atividades espontâneas, era uma das características-chave no autismo. A isso somava-se a inabilidade no relacionamento interpessoal: “há neles uma necessidade poderosa de não serem perturbadas. Tudo o que é trazido para a criança do exterior, tudo o que altera o meio externo ou interno representa uma intrusão assustadora”.

Os medos e as fortes reações a ruídos e objetos em movimento, objetos quebrados ou incompletos, as repetições nas atividades, chegando a rituais altamente elaborados, o brinquedo estereotipado e privado de criatividade e espontaneidade, a introdução de novos alimentos, provêm desse medo de mudança. Se algo é mudado a situação, mesmo em um mínimo detalhe, a situação deixa de ser idêntica, não podendo então ser aceita.

Por outro lado, Kanner assinalava que tudo que não era alterado quanto à aparência e posição, ou seja, aquilo que conservava a sua identidade e não ameaçava o isolamento da criança, não somente era bem tolerado por ela como passava a ser objeto de interesse com o qual poderia passar horas brincando, pois, segundo o especialista, conferia a criança uma sensação gratificante de onipotência e controle.

Finalmente, uma questão que levantou intensa polêmica nos anos subseqüentes foi a observação de Kanner (1943) acerca das famílias das crianças que observara. Destacou que entre os denominadores comuns a elas estavam os altos níveis de inteligência e sociocultural dos pais, além de uma certa frieza nas relações, não somente entre os casais, mas também entre pais e filhos. Entretanto, nesse mesmo artigo, Kanner já questionava a natureza causal entre os aspectos familiares e a patologia da criança: "A questão que se coloca é saber se, ou até que ponto, esse fato contribui para o estado da criança. O fechamento autístico extremo dessas crianças, desde o princípio de suas vidas, torna difícil atribuir todo este quadro exclusivamente ao tipo de relações parentais precoces de nossos pacientes". Conclui o seu trabalho, postulando que o autismo origina-se de uma incapacidade inata de estabelecer o contato afetivo habitual e biologicamente previsto com as pessoas.

Trecho extraído do livro Autismo e Educação de Claudio Roberto Batista e Cleonice Bosa

5 comentários:

  1. gostei muito do documento postado neste blog... parabéns aos idealizadores... gostaria de ter a bibliografia completa do trecho citado de kanner e Asperger... seria possível postar???

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  2. Acho o diagnóstico de Kanner fantástico, muito objetivo !!!!!!!!!!

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  3. como faço pra ter acesso as obras de kanner? alguem sabe?

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  4. tenho uma filha autista, quero saber como aliviar stress que transtorno provoca?

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